Overtraining
Escrito por Prof. Dr. Dietmar Martin Samulski e Prof. Ms. Rauno Simola |
O que é o overtraining? O overtraining, também conhecido por síndrome do excesso de treinamento, pode ser definido por um desequilíbrio entre o estresse e a recuperação. Esse fenômeno ocorre quando o indivíduo é submetido a longos períodos de cargas de treinamento muito elevadas sem recuperação adequada. Nessas fases de treinamento, as cargas de treino ultrapassam a capacidade de adaptação do indivíduo e ele apresenta uma queda constante no seu rendimento esportivo, além de vários sintomas fisiológicos e psicológicos. O processo de recuperação desse quadro pode durar semanas ou meses. Quais as causas? A causa principal do overtraining é o excesso de carga de treinamento associado a uma recuperação insuficiente. Contudo, veremos ao longo do texto que o estresse extratreinamento também é um importante fator que contribui para o aparecimento desse fenômeno. Como identificá-lo? Quais os sintomas? Já foram relatadas dezenas de sinais e sintomas de natureza bioquímica, imunológica e psicológica em atletas sofrendo overtraining. Entretanto, podemos destacar como os mais relevantes o desempenho esportivo reduzido, incapacidade de manter níveis usuais de desempenho, necessidade de recuperação prolongada, alterações na pressão arterial, alterações na frequência cardíaca de repouso, redução da massa corporal, sensação de fadiga crônica, apatia, distúrbios de humor, insônia, perda de apetite, redução dos níveis de testosterona, balanço nitrogenado negativo, aumento dos níveis de ureia, aumento dos níveis de cortisol, redução nos níveis de glicogênio muscular, maior susceptibilidade a lesões e infecções. Contudo, a identificação do overtraining é uma tarefa muito complexa. Ainda não existe uma variável completamente confiável para o seu diagnóstico precoce. Muitas vezes o atleta em overtraining não apresenta nenhuma alteração fisiológica ou psicológica. Além disso, alguns sintomas do overtraining podem ser observados em atletas que apresentam melhoras no desempenho esportivo. Mesmo diante dessas dificuldades de diagnóstico preciso, é preocupante quando o atleta apresenta distúrbios de humor e sensação de fadiga severa em períodos de treinamento caracterizados por baixas cargas de treinamento. Alguns autores consideram que as variáveis psicológicas podem ser mais sensíveis que as variáveis fisiológicas. A avaliação das variáveis psicológicas pode ser realizada através de instrumentos como o questionário de estresse e recuperação para atletas (RESTQ-Sport). Esse questionário foi recentemente traduzido e validado na língua portuguesa pelo Laboratório de Psicologia do Esporte (LAPES/UFMG) e avalia a magnitude do estresse e a eficiência dos processos de recuperação utilizados nos últimos dias pelo avaliado. Como esse excesso de treinamento prejudica o corpo? O excesso de treinamento pode prejudicar o organismo em diferentes níveis. O indivíduo pode não conseguir repor suas reservas de glicogênio muscular e hepático entre as sessões de treino e, consequentemente, não dispor de energia suficiente para a próxima sessão, reduzindo assim seu desempenho. Além disso, podem ocorrer lesões e infecções frequentes. A alteração nos níveis de alguns hormônios observada em períodos de cargas de treinamento muito elevadas pode estar associada com a diminuição da massa muscular e, consequentemente, queda da força muscular. Outro ponto negativo são os distúrbios de sono e humor. Fadiga, raiva, tensão e até depressão são características comuns em períodos de excesso de treinamento. Qual a frequência de treinamentos mais adequada para uma pessoa? É difícil definir a frequência de treinamento ideal para cada um. Isso depende da capacidade física treinada e de outras características da carga de treinamento, como sua duração e intensidade. Além disso, cada pessoa reage de uma maneira a um mesmo estímulo de treinamento, dificultando a generalização da prescrição da frequência de treinamento. Entretanto, uma sugestão seria que a pessoa tenha uma recuperação condizente com o estímulo de treinamento. Ou seja, se a carga de treinamento é muito elevada, o tempo de recuperação deve ser maior, ou devem ser adotadas estratégias de recuperação mais eficientes, como massagens, crioterapia, reposição imediata de carboidratos, entre outras. O estresse pode ser um fator importante no overtraining? Sim. O overtraining não é causado apenas por excesso de carga de treinamento. O estresse extratreinamento também contribui para o aparecimento desse fenômeno. Fatores como discussões com companheiros de equipe e membros da comissão técnica, viagens constantes para competições, problemas familiares e financeiros, entre outros, somam-se ao desgaste causado pela carga de treino em si, contribuindo para o aparecimento do overtraining. Um atleta está mais sujeito a sofrer uma sobrecarga de treinamento? Geralmente o overtraining acomete atletas de alto rendimento, devido às extremas cargas de treinamento às quais esses indivíduos se submetem. Entretanto, aqueles atletas amadores também estão sujeitos ao overtraining. Principalmente porque eles estão envolvidos em outras atividades, como estudo, atividades profissionais e todos os fatores estressantes que as envolvem, dificultando, assim, uma recuperação eficiente. O overtraining pode gerar uma disfunção hormonal? Sim. Alguns autores consideram o overtraining como um distúrbio neuroendócrino. Os altos níveis de estresse característicos desse fenômeno podem gerar alterações nos níveis de alguns hormônios em repouso e durante o exercício, como o cortisol. Os altos níveis de estresse podem gerar uma mudança no comportamento do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, impedindo o mecanismo de feedback negativo do cortisol e, consequentemente, a redução das concentrações desse hormônio. Dessa forma, os níveis de cortisol permaneceriam elevados cronicamente, causando uma série de problemas, como a perda de massa muscular, por exemplo. Existe tratamento? O tratamento do overtraining se baseia basicamente em reduções drásticas na carga de treinamento. Além disso, devem ser adotadas medidas como apoio psicológico e alimentação adequada, mudanças na rotina de treinamento e técnicas psicorregulativas de relaxamento e treinamento mental. Como evitá-lo? A prevenção do overtraining passa por medidas de nível físico e psicológico: - Individualização das cargas de treinamento, já que cada atleta reage de uma maneira à mesma carga de treinamento. - Monitoramento constante do treinamento através de variáveis fisiológicas e psicológicas, principalmente nas fases críticas de treinamento, em que as cargas são muito elevadas. - Análise do estilo de vida do atleta e fatores externos ao treinamento. Uma vez que o overtraining também é causado por fatores estressantes extratreinamento, é importante levar em consideração esses fatores. - Incentivar a comunicação entre técnicos e atletas. O atleta deve se sentir à vontade em expor seus problemas pessoais aos treinadores e relatar sua percepção em relação às cargas de treinamento. - Planejar o treinamento, incluindo de maneira sistemática os períodos de recuperação. Os períodos de recuperação são tão importantes quanto os estímulos de treinamento para o aumento do rendimento esportivo. - Utilização de técnicas de autorregulação para controle do estresse, como relaxamento e autorregulação. - Manutenção de uma boa condição física e nutrição adequada. A manutenção de uma boa condição física gera confiança, combatendo o estresse. Dicas para quem está começando ou já pratica exercícios físicos Principalmente para os iniciantes, a orientação básica é não exagerar. Aumente sua carga de treinamento (duração, intensidade e frequência de treinamento) de maneira progressiva. Preste atenção nos sinais que seu corpo lhe dá. Dores musculares, sensação de fadiga severa, falta de apetite e falta de sono são sinais de que você pode estar ultrapassando seus limites. Consulte um profissional de educação física. Ele é o único profissional habilitado para prescrever um programa de exercícios físicos da forma mais segura e eficiente possível. Prof. Dr. Dietmar Martin Samulski é Doutor em Ciências do Esporte e Psicologia do Esporte, graduado pela Universidade do Esporte de Colônia, Alemanha; Coordenador do Laboratório de Psicologia do Esporte (LAPES/UFMG); Diretor do Centro de Excelência Esportiva (CENESP) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); Presidente da Sociedade Sul-Americana de Psicologia do Esporte (SOSUPE); Participante de Olimpíadas e Paraolimpíadas como integrante da delegação brasileira. |
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